A gestão financeira do Fundo Estadual de Combate à Pobreza do Rio de Janeiro (FECAP) tem gerado controvérsias e questionamentos, especialmente após a recente revelação do Tribunal de Contas do Estado (TCE-RJ). Segundo o relatório emitido pelo TCE, desde 2019, um montante de R$ 9 bilhões arrecadados pelo fundo, criado para combater a pobreza e apoiar políticas públicas para a segurança alimentar, moradia e proteção de grupos vulneráveis, foi utilizado para fins que não atendem às suas finalidades legais. Este desvio de recursos tem sido motivo de debates, uma vez que o governo do estado não seguiu a determinação legal que impede o uso dos recursos arrecadados para outras despesas que não sejam voltadas para o combate à pobreza.
O Fundo Estadual de Combate à Pobreza é financiado por um adicional de 2% sobre o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), um dos mais altos do Sudeste brasileiro. A proposta inicial do fundo é clara: utilizar esses recursos para financiar ações sociais e políticas públicas que visam melhorar a qualidade de vida das pessoas em situação de vulnerabilidade. No entanto, o TCE apontou que, em 2023, dos R$ 5,3 bilhões arrecadados, apenas 59,87% foram de fato aplicados em ações contra a pobreza. O restante, cerca de R$ 2,1 bilhões, foi desviado para o caixa geral do governo, contrariando a Lei Complementar 175/2020 que estabelece a vinculação dos recursos.
Em resposta a essa situação, o Tribunal de Contas emitiu diversas determinações e recomendações, incluindo a necessidade de reativação de projetos sociais abandonados e a maior transparência no uso do fundo. O governo estadual, liderado pelo governador Cláudio Castro (PL), tem até um prazo estipulado para apresentar suas justificativas e uma estratégia de correção. A situação gera frustração entre a população, especialmente aqueles que mais necessitam da ajuda do fundo, como moradores de áreas periféricas e vulneráveis que enfrentam dificuldades diárias, como a falta de acesso a alimentos e moradia de qualidade.
Uma das áreas mais impactadas por essa má gestão dos recursos é o programa de restaurantes populares, que deveria oferecer refeições a preços acessíveis para a população em situação de vulnerabilidade. Durante sua campanha de reeleição, o governador Cláudio Castro havia prometido a construção de 26 unidades do programa. No entanto, até o momento, apenas 13 desses estabelecimentos estão em funcionamento. A unidade da Central do Brasil, que é a única operada integralmente pelo estado, enfrenta uma demanda muito maior do que a sua capacidade de atendimento, com longas filas que chegam a durar até duas horas para garantir uma refeição. Situações como essa ilustram as consequências diretas da falta de aplicação dos recursos destinados ao combate à pobreza.
Além disso, a crise de recursos afetou diretamente o funcionamento de outras unidades do programa de restaurantes populares. O restaurante do Méier, que foi fechado durante uma crise fiscal em 2016, continua fechado até hoje, deixando os moradores locais sem uma alternativa viável para conseguir uma refeição barata e nutritiva. Esses episódios demonstram como a falta de investimento adequado no fundo de combate à pobreza prejudica diretamente a população mais carente, agravando a crise de insegurança alimentar que afeta milhões de brasileiros, especialmente no Rio de Janeiro.
Por outro lado, o governo do estado defende que a desvinculação de 30% dos recursos arrecadados pelo fundo é permitida pela Constituição e que essa ação não representa uma diminuição nos investimentos voltados para a segurança alimentar. O Palácio Guanabara argumenta que os recursos desviados foram utilizados de maneira a atender outras necessidades do estado, e que, de fato, o investimento em combate à fome aumentou nos últimos anos, com a abertura de novos restaurantes populares. No entanto, a divergência de opiniões sobre a aplicação dos recursos gera um cenário de incertezas, com uma população que cada vez mais exige respostas claras sobre onde e como o dinheiro do fundo está sendo utilizado.
No entanto, essa justificação não tem sido suficiente para apaziguar a crítica popular, especialmente entre as comunidades mais pobres do Rio de Janeiro. A falta de transparência no uso dos recursos tem sido um ponto de tensão entre o governo estadual e a população, que espera ver melhorias concretas nas políticas públicas voltadas para a pobreza. Muitos cidadãos questionam como é possível que recursos tão substanciais tenham sido desviados sem uma justificativa clara, quando tantas necessidades permanecem sem resposta.
Além disso, a gestão do fundo não é o único fator a ser considerado na luta contra a pobreza. É necessário um conjunto de políticas públicas que envolvam educação, saúde, segurança e moradia, com a participação ativa da sociedade civil. O uso adequado dos recursos do fundo é apenas um dos aspectos dessa equação, e sua má aplicação demonstra que o estado do Rio de Janeiro precisa de um compromisso mais firme com as pessoas que mais necessitam de apoio. A pressão por respostas claras e ações efetivas deve ser constante, pois a população não pode ser negligenciada em seus direitos básicos de acesso a alimentos e qualidade de vida.
Por fim, a questão do Fundo Estadual de Combate à Pobreza do Rio de Janeiro é um reflexo das dificuldades estruturais enfrentadas pelo estado. O combate à pobreza exige não apenas a utilização correta dos recursos financeiros, mas também uma gestão eficiente e comprometida com as necessidades da população. O que está em jogo não são apenas números e percentuais, mas vidas humanas e o futuro de milhões de cidadãos que dependem desses programas para sua sobrevivência e dignidade. Portanto, o estado precisa urgentemente revisar suas práticas, aplicar os recursos de forma transparente e garantir que as promessas feitas aos mais vulneráveis sejam cumpridas de forma eficaz e justa.
Autor: Melana Yre