A criminalidade na Barra da Tijuca revela uma face preocupante que ultrapassa os limites dos tradicionais assaltos e furtos: celulares roubados já são desbloqueados em “qualquer lojinha” especializada, tornando o crime ainda mais lucrativo e perigoso. O delegado Neilson dos Santos Nogueira, da 16ª DP, alertou para o esquema que envolve desde o desbloqueio clandestino dos aparelhos até a venda online com notas fiscais falsas, expandindo a rede do crime e dificultando o combate. Essa nova dinâmica expõe a fragilidade do sistema de segurança e o crescimento das quadrilhas organizadas que atuam na região.
O processo de desbloqueio de celulares roubados, antes restrito a centros clandestinos, agora acontece em pequenas lojas de conserto de aparelhos. Equipadas com ferramentas específicas, essas lojas realizam o desbloqueio dos celulares rapidamente, o que facilita não só a revenda, mas também o acesso dos criminosos às contas bancárias das vítimas, via aplicativos instalados no aparelho. A facilidade do desbloqueio agrava o ciclo de violência e aumento de roubos, com criminosos invadindo contas e realizando operações fraudulentas, ampliando o prejuízo das vítimas.
A comercialização dos celulares roubados não se limita mais às ruas ou aos centros comerciais tradicionais, como a famosa Rua Uruguaiana. As vendas migraram para o ambiente virtual, onde os criminosos oferecem os aparelhos com notas fiscais falsas, aumentando a credibilidade e a aparência de legalidade das transações. Essa prática é facilitada pela criação de empresas fictícias, algumas delas investigadas pela polícia, que emitem notas fiscais sem qualquer movimentação comercial real, cobrando valores entre 20 e 30 reais por nota.
De acordo com o levantamento do Mapa do Crime, a Barra da Tijuca ocupa a quarta posição entre os bairros do Rio com maior índice de roubos de celulares, número que só cresce nos últimos anos. Entre 2023 e 2024, houve um aumento de quase 9% nos casos, e desde 2020 o crescimento é contínuo. O bairro vizinho, Recreio dos Bandeirantes, também apresenta crescimento constante nos registros, mostrando que a região está se tornando um ponto crítico para esse tipo de crime, afetando diretamente a sensação de segurança dos moradores.
Outro fator que facilita a ação dos criminosos é a prática de obrigar as vítimas a desbloquearem os celulares na hora do roubo. Muitas vezes, os assaltantes configuram os aparelhos para nunca bloquearem a tela, garantindo que possam ser usados imediatamente para invasão de contas ou para venda a preços maiores dentro das comunidades, onde o aparelho desbloqueado tem maior valor comercial. Esse método brutal aumenta a violência dos roubos e expõe as vítimas a riscos ainda maiores.
O delegado Neilson dos Santos Nogueira destaca que o perfil dos criminosos influencia na preferência por roubo ou furto, pois o roubo, com violência, traz penas mais severas. Ainda assim, a reincidência, especialmente de adolescentes infratores, é alta na região, segundo dados do 31º Batalhão. O 31º Conselho Comunitário de Segurança (CCS) acompanha de perto essa questão, cobrando mais policiamento e medidas efetivas para combater a escalada dos roubos e garantir a tranquilidade da população.
Os relatos de moradores e trabalhadores da Barra da Tijuca reforçam a gravidade do problema. Abordagens violentas em congestionamentos e até emboscadas com bloqueio das vias são comuns. A sensação de insegurança cresce a cada dia, especialmente em áreas como Jardim Oceânico e arredores do Bosque da Barra. O músico Léo Moreno, por exemplo, sofreu agressões e teve seus pertences roubados durante um assalto, ilustrando como a violência se espalha e atinge pessoas comuns em situações cotidianas.
Para tentar frear o avanço dos roubos e facilitar o controle dos aparelhos, o Governo Federal lançou recentemente o Cadastro Nacional de Celulares com Restrição, uma base de dados acessível para consulta via aplicativo. Com isso, o cidadão pode verificar se o celular que pretende comprar foi roubado, furtado ou perdido, ajudando a evitar a circulação de produtos ilícitos no mercado. A ferramenta representa uma importante arma no combate ao comércio ilegal e à violência associada aos roubos de celulares.
O cenário desenhado pela ocorrência crescente de celulares roubados desbloqueados em pequenas lojas e revendidos na internet revela uma cadeia complexa e preocupante que exige atenção das autoridades e da sociedade. O combate a essa prática passa pela repressão das quadrilhas, fiscalização rigorosa das empresas que emitem notas fiscais falsas e ampliação dos mecanismos de segurança para proteger os usuários e suas informações pessoais. Enquanto isso, moradores da Barra da Tijuca vivem o desafio diário de conviver com a insegurança e o medo, na espera por soluções concretas que devolvam a tranquilidade à região.
Autor: Melana Yre